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Um paraíso apelidado de inferno

Fizemos o trajeto todo de bike: lindo e cansativo

Fizemos o trajeto todo de bike: lindo e cansativo, haha

Um mês de trabalho intenso no Quênia e finalmente chegou a hora de conhecer as belezas que a África reserva (não, não parei de trabalhar, mas comecei a aproveitar os finais de semana). Infelizmente, vim parar aqui em estação chuvosa. Vou confessar que estou adorando fugir do calor que tenho durante o ano todo em Manaus, mas os temporais fazem com que vários lugares fiquem mais perigosos. Um dos parques que eu mais queria conhecer era o Hell’s Gate, que inspirou o cenário do Rei Leão e onde também foram gravados Out Of Africa e Tomb Raider 2, mas notícias de que pessoas morreram lá durante passeios estavam nos assustando. No entanto, como a vida não é só feita de tempestades, um domingo bonito e ensolarado veio para nos ajudar a conhecer esse paraíso apelidado de inferno.

Programamos a ida uma noite antes e, ao acordar, 5 horas da manhã, parecia mesmo que estávamos sendo castigados por querer visitar a casa do senhor lá debaixo. Ainda era madrugada, veio aquele apagão amigo de sempre, ventinho que anuncia chuva e dificuldade para achar matatu indo pra cidade. Conseguimos chegar ao centro e, depois de um tempinho, encontramos ônibus seguindo para Naivasha, onde fica o parque. Passagens para outras cidades são mais caras, então procuramos um ônibus bom pra aguentar o trajeto de duas horas. Ficamos um tempo esperando e começa a esperteza dos quenianos: venderam passagens a mais e queriam nos forçar a dividir cadeira com outras pessoas. Lá vem uma mulher pro nosso lado. Eu, que já tava feliz, disse que não ia sair e a fofinha (que não era nada pequena) apenas sentou no meu colo. Estava em um dia de paz, mas o barraco veio me procurar. Um homem saltou na frente dizendo que aquilo estava errado e mostrou uma carteira de policial. Como estamos no Quênia, não deu em nada e a viagem foi super desconfortável (não, ela não ficou no meu colo o trajeto todo, mas ficamos apertadinhas juntas). Quando chegamos em Naivasha, a polícia parou o ônibus e rolou a segunda parte da briga. Como eu já estava toda dolorida da viagem mesmo, fui embora.

Oi coisinha linda <3

Oi coisinha linda ❤

Encontramos o guia que organizou o passeio e seguimos para o parque. No caminho, só coisa linda! Navaisha é uma cidade que abriga uma das maiores plantações de flores do mundo, exportando principalmente para a Europa. Nem preciso dizer o quão colorido foi o caminho, né? Além disso, tive meu primeiro contato com animais. Vi dezenas de girafas e zebras no caminho. Já decidi que na minha última semana volto lá para pegar uma zebrinha para levar para casa.

Não consigo ficar de olho aberto em foto no sol, mas vale pela paisagem

Não consigo ficar de olho aberto em foto no sol, mas vale pela paisagem

No parque, nossas bicicletas já estavam aguardando os três visitantes. Topei esse negócio de pedalar sem saber o tamanho do lugar. Sério, se vocês não tem o melhor condicionamento físico (como eu), não arrisquem. São 18km de pedalada e mais uns 10 caminhando e escalando, caso você decida ver os cânions. Agora eu entendo todos os amigos que postam mil fotos de medalha no Instagram a cada domingo, após uma corrida, e espero ainda ganhar uma por esse trajeto de ontem (fica dica, mãe), porque eu realmente achava que não ia conseguir completar. Foi muito cansativo! O sol estava queimando e minha falta de ar atacando, mas fui até o fim.

A cada parada para beber água e respirar, o guia dava uma de treinador e dizia “ignora tuas dificuldades, olha pros lados e pensa em como é lindo o lugar onde você está”. Mais do que certo. Que lindo é aquele lugar. Acredito que nem as fotos conseguem transmitir um terço da beleza que vi. No caminho de bike, pela trilha do parque, vimos montanhas lindas, centenas de animais vivendo livres ali na natureza e respiramos um ar limpo como Nairóbi nunca terá. Chegando no portão da área que liga aos cânions, um lugar super lindo para fazer picnic. Bateu saudade das amigas e do nosso picnic com vista pro Rio Negro.

Quem vê até pensa que é atleta

Quem vê até pensa que é atleta

Descemos para os cânions. Ele disse que teríamos que escalar um pouco e eu, de novo, não imaginava que ia ser tanto. Nunca tinha escalado nada dessa vida a não ser aquele muro minúsculo do Studio 5, então a tensão era maior ainda. Rezei para todos os santos, mandei abraço para todos os familiares e amigos, e só pensei nas pessoas que morreram lá recentemente. Obrigada Deus por ter me deixado escrever este post hoje e compartilhar que sobrevivi.

Hell's Gate: eu sobrevivi

Hell’s Gate: eu sobrevivi

O parque fica em área próxima ao Monte Longonot, um vulcão que entrou em erupção há bem mais de 100 anos. Só que os efeitos ainda são sentidos em Hell’s Gate, onde existem várias fontes de água fervendo. É incrível andar por ali e ver as belezas que a natureza faz, olha. É um lugar sensacional. A área dos cânions segue em formação e continuará mudando sempre devido aos efeitos da água. Queria muito ter um biquini pra ficar ali naquele paraíso só de bubuia, mas não deu. Hora de subir.

Não canso de repetir como esse lugar é lindo

Não canso de repetir como esse lugar é lindo

Montanha acima, lá vamos nós. No caminho encontramos uma tinta natural que é usada pelos Maasai para fazer suas pinturas corporais. Nosso guia nasceu e viveu em uma tribo Maasai e usou todos os seus conhecidos pra fazer uma pintura em mim (mais turista impossível, eu sei). Conhecemos também uma senhora da tribo. Ainda tentei praticar meu swahili com ela, mas a bichinha só falava o dialeto deles.

Com a senhorinha da tribo

Com a senhorinha da tribo

Aqui na África o pessoal não é nada pontual, o atendimento é ruim, entre outros problemas. Infelizmente a justificativa deles sempre é “This is Africa” (ou “TIA”), frase que já ouvimos em muitas situações ruins e que, pra mim, não justifica. Subimos a montanha e não me contive. Aquilo sim é África. Vista sensacional. Doeu o coração pensar que logo logo terei que deixar esse lugar. Se visitarem o Quênia, não deixem de ir a Hell’s Gate. O passeio é meio caro para os padrões do Quênia (gastei uns 3 mil shillings lá, ou seja, uns 30 dólares), mas valeu cada centavo.

Sou besta e dei um jeito de tirar uma foto tentando imitar o Simba

Sou besta e dei um jeito de tirar uma foto tentando imitar o Simba

De quebra, como o guia era bacana, ainda nos levou para conhecer o Lake Navaisha, um lago lindo da cidade onde vivem vários hipopótamos. Muito bom navegar no fim da tarde ali. Vimos muitas aves também e centenas voaram juntas em cima do nosso barco em uma hora. Queria ter filmado de tão lindo que foi. Essa parte custou 1500 Ksh, divididos por dois só que iam no barquinho. O valor original é 3 mil shillings, mas dá pra pechinchar em tudo aqui.

Oi hipopótamos <3

Oi hipopótamos ❤

Queria muito poder colocar vinte mil fotos aqui pra mostrar pra vocês como o lugar é lindo, mas não dá então fiz um set no Flickr com algumas imagens da minha câmera. Levei a lomo para passear pela África pela primeira vez também e tô super ansiosa para revelar o filme e ver como ficaram as fotos. Enquanto não revelo as da analógica, olhem que lindeza é aqui e se preparem para mais belezas desse continente maravilhoso que devo conhecer pelos próximos dias.

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Desvendando o Quênia

MuseuMeu primeiro dia como professora, oficialmente, não foi na escola. Uma das melhores coisas de trabalhar em Ngota’s Upendo é ter pessoas apaixonadas pelas crianças e loucas pra vê-las aprendendo que se dedicam e pensam em novas metodologias de ensino. Assim, levamos as 105 crianças para o Nairobi National Museum, um dos principais museus do país, que conta a história do Quênia.

Cheguei ao museu por volta de 10h e fiquei esperando pelas crianças que vinham em ônibus fretados. Não vou mentir: nossas crianças não são as mais comportadas. Em todo intervalo eles brincam muito, correm, pulam e fazem tudo que uma criança feliz deveria fazer. Por isso, eu e os outros voluntários estávamos bem tensos esperando por eles. Assim que os ônibus chegaram, uma surpresa: os 105 sorrisos vieram bonitinhos, em uma fila, super comportados.

Museu

Entramos no museu e as expressões no rosto das crianças eram fascinantes. Nunca, em toda a minha vida, eu tinha visto tanta sede de aprender. O Marco, intercambista alemão que organizou o passeio, preparou provas para cada turma sobre a exposição no museu. Os alunos corriam de um lado para o outro, lendo tudo, tirando dúvida com os guias e professores. Para responder, tudo virou mesa: eles usaram as paredes, chão, costa do amigo, tudo que você puder imaginar, como apoio para completar a prova.

Museu 3

Mais do que uma aula de história, acredito que tenha sido uma experiência que eles vão guardar para a vida toda. Para nós, um passeio do tipo é apenas uma ida ao museu. Várias pessoas acham isso chato até. Para alguns dos nossos 105 sorrisos, esta foi a primeira vez fora da favela de Mathare, onde moram e estudam. Conhecer a história do Quênia foi como ver a Torre Eiffel pela primeira vez, visitar o Cristo Redentor ou qualquer uma dessas coisas que todos nós temos em uma lista para fazer antes de morrer. Estou sorrindo só de lembrar como foi bom vê-los tão felizes e empolgados.

Essa foto é provavelmente a mais linda da viagem. Ainda tô amando muito.

PS: Imaginem levar 105 crianças pra um museu com umas seis pessoas só concentradas para tomar conta deles. Pois é, foi assim. Por isso eu quase não consegui tirar fotos nesse dia, então decidi esperar pelas fotos do João Victor Novelletto Bolan, intercambista de Santa Catarina que estava aqui. Ele é fotógrafo e, como vocês podem ver, as fotos ficaram super lindas a ponto de ser até difícil escolher mais eu deveria colocar aqui. Se quiserem ver mais, todas estão na página do 50 Sorrisos.

PPS: Estou escrevendo também para o blog do 50 Sorrisos. É super legal para os padrinhos acompanharem o que estamos fazendo. Vocês podem ler sobre as minhas aventuras no trabalho por lá também!

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Em busca de sorrisos escondidos

Com os pequenos todos felizes mostrando os brinquedos que ganharam

Com os pequenos todos felizes mostrando os brinquedos que ganharam

Uma das primeiras coisas que eu falei quando vim para cá é que não queria ir a um hospital aqui. Para não precisar, trouxe duas bolsas de remédio com absolutamente tudo que eu possa precisar. Sério, cogitamos todas as doenças e tenho medicamento para tudo. Se a saúde pública no Brasil é decadente, imagina só na África. Hoje, pela primeira vez, fui a um hospital aqui. Não, não se preocupem. Eu tô bem, mãe, vivona.

Para os intercambistas que estão aqui, sexta-feira é o dia de folga no trabalho. Na minha escola, a sexta é o dia em que os alunos estudam Swahili, então nós não vamos para o trabalho. Para não ficarmos sem fazer nada, também temos uma programação especial para as sextas que incluem aulas gratuitas de Swahili e visitas a um hospital daqui, o Kenyatta National Hospital.

O hospital é o mais antigo do Quênia, criado em 1901, e aparenta não ser reformado desde então. Ele é também o maior hospital do país, o que assusta pela quantidade de pessoas nos corredores. É gente em tudo que é canto. Na entrada, por exemplo, tem um gramado e, sem brincadeira, acho que tinha pelo menos umas 150 pessoas deitadas lá. Não sei o que estavam fazendo, já que aqui é comum o pessoal aproveitar qualquer jardim para tirar um cochilo, mas se fosse no Brasil eu diria que aquilo era uma fila para atendimento.

Crianças com a Julie e David, intercambistas que foram comigo brincar com eles

Crianças com a Julie e David, intercambistas que foram comigo brincar com eles

Subimos vários andares de escada, ultrapassando as pessoas (os quenianos são bons em corridas, mas é incrível como andam devagar por aí), e lá estavam as pessoas que fomos visitar: mini pessoas lindas com sorrisos escondidos, distantes e apaixonantes. A ala pediátrica do hospital é triste como toda ala pediátrica. O local abriga vários pequenos com todo tipo de doença. No entanto, como a pobreza aqui é gigante, muitas crianças que estão ali foram abandonadas pelos pais que não tem condições de criá-los.

Quase toda sexta-feira o hospital se enche de intercambistas que vão lá brincar com as crianças e dar algumas horas de alegrias para eles que vivem em meio a tanto sofrimento, mas agora todo mundo já está voltando para casa e só fomos eu, Julie e David, canadense e alemão que moram comigo. Foi a minha primeira vez indo visitá-los. Dei papéis, desenhos para colorir e lápis de cor para os menores. Quem pintar tudo direitinho ganha um presente. Enquanto eles estavam concentrados no desenho, parei para conversar com a irmã de uma menininha que estava lá. Ela veio me pedir para contar mais sobre o Brasil e até arranhou umas palavras em português. Após eu falar sobre a minha vida, pedi para ela me falar da dela. Sinceramente, acho que tudo que ela mais queria era alguém pra ouvir o que ela tinha para falar.

Sherry, de onze anos, com seu desenho

Sherry, de onze anos, com seu desenho

Aos 19 anos, super inteligente, ela teve que parar de estudar para cuidar da irmã. Internada no hospital há dois meses, ninguém sabe o que a pequena tem. A doença é séria, ela sofre bastante, mas os médicos ainda não conseguiram detectar o que é. A irmã me contou que sempre teve o sonho de se formar, conseguir ajudar a família e um dia conhecer o Brasil. Sonho este que foi interrompido pela doença da irmã. Os pais disseram que precisavam seguir a vida trabalhando e assim a menininha de 11 anos ficou doente e sozinha. A irmã desistiu dos sonhos para lutar pela vida da caçula e, para viver, era auxiliada por uma senhora de idade que teve um derrame e não pode mais ajudá-la. Falei que ela deveria rezar bastante e nunca abandonar a irmã, que assim ela ficaria curada e ela poderia voltar a estudar e as duas viveriam muito felizes juntas. Ela me deu um abraço e disse “amém”.

Essa foi apenas uma história que aqueles olhos tristes relataram. Brincamos com um grupo de aproximadamente 30 crianças. Fico me perguntando quantas ali não tem uma vida assim. A Julie me contou sobre dois bebês com uma doença que, pelo que ela descreveu, acho que é hidrocefalia. Os pais de ambos os levaram para o hospital em busca de tratamento e os abandonaram ali. Agora eles vivem lá, sem ninguém. Quando estávamos acabando, surgiu uma outra criancinha para brincar. Ele tem alguma doença que não o que é, mas segundo a Julie é um tipo de fungo que faz com que ele fique com uns nódulos gigantes por todo o corpo. Hoje, ele estava com vários na cabeça e rosto, o pior sendo um na boca que o impedia de fechá-la. Ele chegou e foi direto brincar com a Julie. Logo depois ela me contou que, por causa da aparência dele, as outras crianças nunca interagem com ele, então um dia em uma brincadeira de roda, quando ninguém queria segurar na mão dele, ela fez e assim ele nunca mais a largou.

Eu disse que nunca queria ir a um hospital aqui. Me arrependi de ter dito isso. Apesar de ter conhecido muitas histórias tristes, hoje sei que vou dormir feliz por ter colocado sorrisos no rosto deles e esperança no coração dos mais assustados. Valeu a pena.

O pequeno Alfred, que grudou em mim, com o Leitão que ganhou (logo me identifiquei pq tenho vários iguais <3)

O pequeno Alfred, que grudou em mim, com o Leitão que ganhou (logo me identifiquei pq tenho vários iguais <3)

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Abençoados (sem pagar nada)

Em quase três semanas em Nairóbi, já percebi que a maioria das pessoas daqui são muito religiosas. Nas ruas, “God bless you” é quase um “bom dia”. Sou católica mas não frequento tanto a igreja. No entanto, fico extremamente feliz ao ver como as pessoas crêem aqui. Não importa se em Deus, Allah, Tupã, apenas acho bom acreditarem. Em um lugar com tanta miséria e tristeza, acho que acreditar em um futuro melhor, abençoado por quem quer que seja, traz energias melhores para eles. Não queria discutir religião, mas me senti obrigada hoje, após minha primeira visita a uma igreja aqui.

Gosto muito de visitar templos. Vi missas na França, Inglaterra, Irlanda e Bélgica. Se pudesse escolher uma missa para assistir sempre, seria uma daquelas bem comportadas com orquestra tocando, coisa que hoje em Manaus só vejo praticamente em missa de sétimo dia. Tenho um pouco de agonia com missas carismáticas (muito balança papel, bate palma e põe as mãos pro alto), mas né, gosto é gosto. Então hoje, domingo de manhã, decidi conhecer uma igreja queniana, totalmente aberta a novas experiências.

Igreja

Chegamos à Mavuno Church e o local me surpreendeu. Um imenso campo com várias tendas. Muito bacana para contar com a participação de famílias inteiras, por exemplo, já que eles têm espaços para crianças, adolescentes, pais de família e tudo que você imaginar. A cerimônia estava marcada para 12h, mas como fomos andando acabamos nos atrasamos uns 20 minutos. A primeira parte, de aproximadamente uma hora, era só de cantoria. Me lembrou muito aqueles filmes americanos com um coral de mulheres negras que cantam super bem. Apesar de não gostar desse negócio de dançar em igreja, foi super bacana. As mulheres cantam muito!

Em seguida, dois pastores subiram no palco. Um deles era um famoso que tem um programa de TV, mas não lembro o nome dele. Sem sermões, achei bacana a interação com os fieis. Eles discutiam temas como relacionamento com a família, entre outras coisas, e pediam para debatermos com quem estava ao nosso lado. Até aí eu estava gostando bastante.

Eu já disse que somos tipo celebridade aqui, né? Ser branco te dá vantagens de entrar em qualquer lugar, entre outras coisas, mas é um saco como sempre somos encarados. Não foi tão diferente na igreja, principalmente quando ele pediu para todo mundo que estava visitando a igreja pela primeira vez levantar a mão. Nós ganhamos então convites VIP para um lounge especial onde dão suco de graça após a missa. Sei lá, achei estranho, mas ok.

Desculpa, sou VIP

Próximo tópico do debate. Pararam de falar sobre os temas de família, religião, etc, e focaram em apresentar o novo projeto da igreja. O campo que me surpreendeu não era suficiente para eles. A nova área terá piscinas, parque de diversão, quadras de esporte, tendas ainda maiores (pelas fotos que mostraram, parece um daqueles festivais de música eletrônica europeus) e várias outras coisas. A maneira como apresentaram era demais. O pastor, com excelente oratória, pedia para os fieis fazerem “wow” toda vez que ele falava de algo super inovador que a igreja vai ter. A maneira com que ele tentava mostrar pras pessoas como aquilo era bom começou a me incomodar.

Para não dizer que foi implicância minha, anotei trechos do sermão do pastor. As semelhanças com aquele vídeo do Feliciano pegando o dízimo do cadeirante não devem ser coincidência. Primeiro, um pastor apresentou o projeto e começou a pedir ajuda para a construção. “É uma oportunidade única para investir em algo bom. Se você quer ver sua vida se transformar, ajude. Nossos pastores vão abençoar vocês para que se engajem nesse processo”, disse.

Para fortalecer o discurso, entrou outro pastor que continuou pedindo dinheiro. “É absolutamente incrível o que Deus quer fazer por nós com as doações de vocês. Em três meses, teremos uma nova casa. Vocês são abençoados por abençoarem. Isso é pelo futuro da África. Se você não tem muito para doar, peça para o seu vizinho dar mais e dê tudo o que você tem que assim Deus te abençoará”, completou.

Depois dessa parte, esperei mais um pouquinho e deixei a igreja. Na saída comentei que não estava me sentindo muito bem com os pedidos e fiquei sabendo que eles já arrecadaram mais de um milhão de dólares. UM MILHÃO. DÓLARES. É muito dinheiro, cara. Sem querer ser radical, mas estamos na África. Eu vi gente morrer de fome na rua (escrevi a respeito aqui no blog, para quem não leu). Tem gente pedindo uma moedinha em cada esquina. Mais de 2,4 milhões de pessoas passam fome no Quênia. Não, eu não posso com um discurso de que as pessoas vão ser abençoadas se derem o pouco de dinheiro que tem para a construção de uma igreja gigante que com certeza não vai mudar a fé gigante que esse povo tem.

O Quênia é um país abençoado por natureza. O sorriso no rosto dessas pessoas, mesmo sofrendo com tanta miséria, é a prova maior de que elas são abençoadas. O “God bless you” sincero de todas as manhãs é o ingresso VIP para o céu que todos eles ganharão, provavelmente com direito a suquinho também e muitas outras coisas. Que Deus te abençoe, Quênia, e te livre de todo o mal. Rezo por ti todas as noites e sei que vais conseguir uma vida boa sem precisar pagar nenhum shilling por isso.

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Direito de ter uma família

Lindinhos demais, pelo amor de Deus <3

Lindinhos demais, pelo amor de Deus ❤

Toda criança deveria ter uma família. Hoje acordei com saudade da minha, querendo ouvir a voz da minha vózinha de 96 anos que é o amor da minha vida, querendo um abraço da minha mãe, uma conversa com meu pai e fazer qualquer coisa com as minhas irmãs, sem importar o que, só pra tê-las ao meu lado. Acordei querendo reunir todas as primas e ser tia babona com a sobrinha torta que nasceu uma semana antes de eu vir para o Quênia. A vontade foi de ficar em casa esperando dar o horário dos meus pais acordarem no Brasil só pra ligar e ouvir a voz deles, mas me comprometi com o trabalho aqui e hoje era um dia importante para o futuro da escola.

Segui para Ngota’s Upendo, em Mathare, onde tinha uma reunião agendada com a Mara, Marianna, Maureen (e com uma Marina, vejam que bela criatividade pra nome dos voluntários) e os fundadores da escola. Estava na sala dos professores quando um menino entrou, meio triste, e pediu para conversar com a Maureen em suaíli. A Maureen é queniana e o braço esquerdo, direito e todas as pernas do 50 Sorrisos no Quênia. Pessoa abençoada que ajuda a escola de todas as maneiras que pode.

Maureen, o anjo dessa escola

Maureen, o anjo dessa escola

Ao todo, temos 105 crianças na escola, mas é normal algum sempre ter um brilho no olho a mais que te encanta e faz ser o favorito. Esse menino de hoje é o da Maureen. Ela me contou que sempre o ajuda, compra roupas e etc. No entanto, o brilho no olho não estava presente hoje. Talvez o pouco que tivesse fosse resquício de uma lágrima que poderia cair a qualquer hora. Como sempre faz, ele a chamou de mãe e contou o que tinha acontecido. Assim que ele saiu, pedi para ela traduzir e desde então estou com isso engasgado na garganta e segurando o choro.

O menino é meu aluno, criança esforçadíssima, mas não sabia nada sobre a sua vida ainda. Ele tem 13 anos e já perdeu os pais. Tem irmãos mais velhos que moram longe e não tem condições de cuidar dele. Como era muito novinho quando perdeu a família, um homem aceitou cuidar dele e até hoje o menino mora com esse cara que não sabemos quem é. Só que justo hoje esse homem disse que não quer mais que ele more lá.

Imagina só você ter 13 anos, não ter pai ou mãe, dinheiro algum e provavelmente ter que largar a escola para arranjar uma maneira de sobreviver? Estou tentando arranjar forças pra chegar nos próximos dias na escola e conferir se ele continua indo pra aula. Pensei em várias maneiras de tentar ajudar também e vou ver o que é possível pôr em prática.

Crianças com o João e Marco, voluntários que foram embora na semana que cheguei

Crianças com o João e Marco, voluntários que foram embora na semana que cheguei

Toda criança merece o direito de ter uma família. Infelizmente, a realidade aqui é outra, mas vou seguir tentar lembrando cada um desses meninos que, mesmo sem pai e mãe presentes, tem um grupo de pessoas com muito amor, dedicação e educação pra dar pra eles por aqui. Hoje, em um dia que considerei extremamente triste, Ngota’s Upendo me mostrou que é uma grande família internacional.

PS: Decidi não colocar fotos do menino da história. Seguem fotos fofinhas da família linda que temos na escola.
PPS: Caso alguém queira fazer parte dessa família, é possível apadrinhar as crianças. Com apenas R$ 20, você garante melhores condições de vida pra um deles através do Projeto 50 Sorrisos. Eu sou madrinha desde 2012 e hoje vejo diariamente como os resultados são lindos. Para mais informações, acessem o site do projeto.
PPS: A história de hoje me lembrou uma que me tocou bastante ontem e que queria compartilhar com vocês. Aconteceu com o Bruno, intercambista do Rio de Janeiro que está trabalhando em uma escola em outra favela de Nairóbi, que recebeu uma carta emocionante de um menino. Ele publicou a íntegra da carta no blog ‘Dreaming Africa’, onde relata as experiências que viveu durante dois meses na Tanzânia e que está vivendo agora aqui no Quênia. Vale dar uma lida!

Abraços que me fazem mais feliz a cada dia aqui

Abraços que me fazem mais feliz a cada dia aqui

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Com quem será?

CasamentoPosso dizer que estou nos meus melhores dias em Nairóbi. Brasileira, 21 anos, sucesso total. Ontem, por exemplo, foram dois pedidos de casamento. EPA PERA! What? Pois é, tô pensando em ficar.

Os quenianos têm um jeitinho especial de abordar as garotas por aí: chegam logo te agarrando, passando a mão e não querem saber de nada. Eu, estressada como sou com essas coisas, amei e já dei muito grito por aqui. Outro dia fomos a um bar da cidade para a despedida de duas pessoas que estavam trabalhando comigo e um cara grudou em mim elogiando o batom, o formato da boca e o resto eu nem lembro pois estava tentando ignorar. Tentei desguiar educadamente, até que ele agarrou minha cintura e soltei o belo grito de “não toca em mim”. Não é frescura, mas sai, nem dei intimidade. Nesse momento começou a farsa super divertida que agora sempre me acompanha.

Quem me conhece sabe que sempre usei uma aliança da mamãe no indicador. Já usei o truque em Manaus e agora ele só tá me ajudando no Quênia: quando vem um cara chato, a aliança muda de dedo e viro uma senhora casada. Já usei com uns cinco chatos em duas noites. Não que todos respeitem muito, mas pelo menos justifica quando sou grossa. Ah, teve um que disse “mas você é brasileira” como se a minha nacionalidade fosse mudar a questão da fidelidade com o marido. Precisamos melhorar a imagem desse país, viu?! Enfim, em meio à tanta delicadeza no approach, ontem amanheci iluminada e, pelo que parece, com o óleo da bota (pra quem não é amazonense, segue a explicação no link) que não lembro de ter usado e vieram dois pedidos de casamento!

Cheguei na escola atrasada, graças ao belo trânsito de Nairóbi, e apliquei prova para os alunos. Depois disso, fui para a sala dos professores corrigir as avaliações quando chega meu primeiro Romeu. Queniano, professor da escola que vive gritando com os alunos (o que me irrita profundamente), ele me perguntou quando vou voltar para o Brasil. Ok, pergunta normal, respondi. Ele me questionou então sobre a possibilidade d’eu comprar uma passagem pra ele, papai nos dar um terreno e fazermos vários filhos em uma vida feliz no nosso puxadinho brasileiro. Agradeci a proposta e disse que não ia dar. Segundo ele, nossos filhos seriam lindos: nem negros nem brancos, já que a mistura dos dois ia formar um moreno claro, com o meu cabelo lisinho (hihi) e bem magros (ow mano, tinha que ver como eu era bola antes de vir pra cá!). Apesar do não, ele disse que o convite continua de pé. Vou pensar mais a respeito.

Saí da escola com a maior fome do mundo e decidi parar pra comer algo antes de vir pra casa. Sentei sozinha na mesa do restaurante e chega um senhor de no mínimo 60 anos, com os cabelos em um loiro mais branco que o da Xuxa, pra conversar comigo. Como a maioria das pessoas aqui são negras, é muito comum todo mzungu falar com o outro por aí e, poxa, saudade de conversar com velhinhos bacanas. Papo vai, papo vem, ele me contou que vive há 24 anos em Nairóbi e volta mês que vem pra Grécia, onde nasceu. O senhor, que não entendi o nome por nada e fiquei com vergonha de pedir pra repetir mais uma vez, falou de como sente saudade da Grécia e das DUZENTAS ilhas que tem lá. A vida é assim: uma hora um te pede passagem e terreno, outra chega um com duzentas ilhas.

Várias tentativas de pegar meu telefone depois, repetindo que eu poderia viver em uma ilha grega, o bichinho desistiu da ideia de me isolar do mundo e disse que eu poderia ser filha dele. Pensei mais em neta, mas ok. O trabalho tem sido tanto aqui que meu único relacionamento sério deve ser com ele (fique feliz, mãe). Por enquanto, aceito mais ideias de como me livrar dos caras chatos porque não sei até quando vão cair no papo do casamento.

PS: Não, eu não caí no papo de que o cara é dono de 200 ilhas.
PPS: Adoraria postar mais e muita gente tem reclamado da frequência, mas estamos enfrentando muitos apagões por esses dias e quando tenho internet ainda preciso dividir o tempo entre amigos, família, estudos e etc. 😦

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Vendo doer a fome

Malária, HIV, tuberculose, hepatite, febre amarela. A população queniana sofre com inúmeras doenças que matam pessoas todos os dias aqui. Quando a gente vem pra África, a primeira coisa que todo mundo diz é “já tomou vacina pra não pegar as doenças deles?”. A realidade aqui é totalmente diferente da nossa. Eu vim com muito medo de sofrer ao conhecer pessoas com HIV, principalmente crianças, mas cheguei aqui e algo muito maior, e que parece mais simples, me assustou mais: a fome.

Nos últimos anos, o combate à AIDS rendeu bons resultados em alguns países africanos. No Quênia, entre 2009 e 2011, a ONU registrou queda de 43% no número de novas infecções de HIV entre crianças quenianas. A redução só não foi maior que na Etiópia e Gana. Os dados foram comemorados por aqui e são ótimos. No entanto, infelizmente, uma a cada cinco crianças nascidas aqui ainda pegam HIV da mãe no momento do parto. Ao todo, 1,4 milhão de pessoas são portadoras do vírus da AIDS aqui, segundo dados do Fundo Global divulgados em 2011, e 80 mil pessoas morrem a cada ano por causa da doença no Quênia.

Nairóbi, a capital do Quênia, é uma terra onde você pode perceber facilmente vários problemas desse país. Existe gente muito rica aqui, mas esses são poucos e a maioria vem de outros países. Enquanto isso, muita gente trabalha muito pra ganhar pouco e passa fome por aí. O acesso a educação de qualidade é extremamente difícil, o que me faz acreditar que esses problemas daqui provavelmente ainda vão durar mais tempo.

No meu segundo dia aqui, estava andando no Centro da cidade com um sanduíche em uma mão e uma coca-cola na outra quando um senhor agarrou meu braço com força e me disse “me dá isso”. Juro, ele apertou tão forte que fiquei sem reação e apenas entreguei o que estava comendo. Algo parecido aconteceu com o David, intercambista que mora comigo, no meu primeiro dia aqui: uma mulher nos perseguiu na rua pedindo alguma coisa até a hora que ele deu o que restava de um sanduíche dele.

Ainda de acordo com dados da ONU, 2,4 milhões de pessoas passam fome no Quênia. Ok, todo mundo conhece a fome na África e muita gente ajuda. Ouvi isso de mil pessoas quando decidi ser voluntária aqui. No entanto, toda a ajuda humanitária destinada ao Quênia não é suficiente para resolver os problemas dessa população assolada pela miséria. Quando leio a respeito fico aqui me perguntando o que eu poderia fazer para ajudar.

Decidi escrever sobre a fome depois de ver na minha frente a dor dessas pessoas. Graças a Deus, atualmente, na escola onde trabalho, todas as crianças têm alimentação regular. A comida é também oferecida para os professores e funcionários, mas essa semana, saindo do trabalho, resolvi passar no supermercado para comprar umas coisinhas para casa e me deparei com a realidade queniana. Ela estava ali, no centro de uma capital com mais de 3 milhões de habitantes, na minha frente.

Caminhava com a minha sacola de comidas quando vi um rapaz fraco cair do outro lado da rua. Ele apenas desmaiou. De repente, todas as pessoas ao redor pararam para ver e constataram que ele estava morto. Morreu de fome, de acordo com pessoas que estavam lá. Sou aprendiz de jornalista. Apuro, pergunto. Sou curiosa. Gosto de saber de pessoas, procuro histórias. Me contaram que aquele rapaz estava ali deitado há um tempo, provavelmente morrendo de fome. O que eu vi – a hora da queda – deve ter sido um último suspiro, uma última tentativa de sobreviver. Me peguei refletindo sobre esse momento várias vezes nos últimos dois dias. Quis ter passado por lá antes e notado que ele estava daquele jeito para ter a oportunidade de dar o donut que tinha na bolsa. Quis mudar a realidade de todos aqui. Pensei demais.

Eu vim para o Quênia dar aulas pois acredito no poder da educação. É extremamente difícil ensinar nas condições que temos aqui, mas lutamos. Eu e um grupo de voluntários de diversos países, diversas culturas, mas todos juntos com um objetivo semelhante. Eu não acho que eu vou conseguir, em pouco mais de um mês aqui, acabar com a fome dessas pessoas. Não acho que eu vou ter donuts suficientes na bolsa. Eu não vou conseguir agora, mas meu trabalho e de quem virá depois de mim, continuar meu legado, conseguirá.

Eu tenho um sonho. Eu sonho com um país menos desigual para essas pessoas tão legais daqui. Eu sonho com quenianos capacitados que vão conseguir conquistar o mercado local e serem ricos também, como os europeus que vem pra cá. Eu sonho em ver as crianças da favela de Mathare, onde trabalho, sendo grandes cantoras, médicas, jornalistas e presidentes, como elas me falaram que pretendem ser. Eu sonho, e é por este meu sonho que eu luto.

Eu vim para o Quênia por causa de duas pessoas. Eles são os meus heróis dessa terra. São brasileiros, como eu, que conseguem fazer seus sonhos de ver um Quênia melhor se realizarem. Julia Nogara, fundadora do projeto 50 Sorrisos, e Artur Ribas, fundador do Movimento Contra a Fome na África, obrigada por terem me mostrado esse lugar. A Julia criou o projeto que sustenta a escola em que trabalho até hoje, dando alimentação e material escolar pras crianças, entre outras coisas, através de uma rede de apadrinhamento dos alunos por brasileiros. Eu e minha mãe somos madrinhas e, por ver os resultados desse trabalho, decidi vir pra cá. O Artur foi intercambista da AIESEC Manaus durante a minha gestão como diretora de Intercâmbios para Estudantes e veio para Mombasa, aqui no interior, onde criou um projeto de desenvolvimento sustentável para uma comunidade de lá. Assim eles conseguem produzir seus próprios alimentos e gerar renda. Dois projetos que confio plenamente e tenho orgulho de ter acompanhado desde o início.

Como disse Walt Disney, “se você pode sonhar, você pode fazer”. Sei que não vou mudar a realidade desse país, mas acredito que a educação repassada para as 105 crianças da escola possa formar uma corrente. Se cada um deles for ajudando outras pessoas, teremos milhares. Só é preciso acreditar. Que assim seja. Que a fome não vença e não tire mais o sorriso tão bonito de nenhuma dessas pessoas.

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Pegando carona com avestruzes

Não seja o primeiro a andar de um grupo ou você vai fazer mil caras de desespero como eu

Não seja o primeiro a andar de um grupo ou você vai fazer mil caras de desespero como eu

Cheguei no Quênia na segunda, dia 1º de abril, e ainda era feriado de Páscoa. Hoje, dia 9, acordei e, ó que bonito, sem trabalho de novo, mais um feriado! Eu nem sei o que era, na verdade, mas deu pra aproveitar e conhecer mais coisas por aqui. Os outros intercambistas que estavam viajando voltaram e agora somos quatro alemães, duas polonesas, uma colombiana, uma canadense e eu no apartamento. Dois dos meninos planejaram ir pra um safari no Nairobi National Park e eu ia com eles, mas tivemos um apagão e ficamos sem água por umas dez horas aqui, daí decidi ficar pra não gastar tanto e ir sem câmera. Depois que eles foram embora, a luz voltou e consegui carregar a câmera, daí surgiu o convite para ir para o Maasai Ostrich Resort Farm com a canadense Julie, colombiana Martha e Benny, um dos caras da Alemanha.

Pegamos um ônibus aqui e fomos para o centro. Lá pegamos outro ônibus para Kitengela, onde precisávamos pegar um taxi para o resort. Como em outros lugares turísticos do mundo, estrangeiro sempre paga mais caro. Aqui nós chamamos de “mzungo price”, porque todo mundo nos chama de “mzungo”, que significa “gente branca”. O preço normal era 500 shillings, mas nos cobraram 1.500, então decidimos pegar motos. E o medo, como fica? Pegar a estrada com dois passageiros em cada moto e sem capacete. Sorte que, graças a Deus, nossos motoristas eram ótimos e a viagem foi linda. É uma aventura, mas se vocês vierem para a África, por favor, peguem a estrada em motos pelo menos uma vez! Esse lugar tem as vistas mais lindas do mundo e nada melhor do que vê-las com o ventinho batendo no rosto.

Dividindo a moto com a Julie: melhor viagem até agora, apesar da dor na bunda pela falta de asfaltamento

Dividindo a moto com a Julie: melhor viagem até agora, apesar da dor na bunda pela falta de asfaltamento

Para chegar ao resort precisamos passar por uma estradinha de terra, como na maioria dos lugares por aqui. Vimos milhares de vacas e ovelhas até que surgiram zebras. Foram as primeiras que vi aqui e já foi suficiente para eu me apaixonar. Lindas! Então o mototaxista me contou que aquela área é o final do Nairobi National Park, então é tipo um safari aberto, e que poderiam surgir leões. Pense numa menina que foi morrendo de medo no resto do caminho, haha.

O passeio pela fazenda é legal, mas acho que não vale tanto

O passeio pela fazenda é legal, mas acho que não vale tanto

Já no resort, estranhei uma coisa: você paga mais caro pelos passeios se for durante a semana. Pelo menos em Manaus as coisas são mais caras no fim de semana, que é quando o pessoal geralmente vai. Para nossa sorte, eles consideram feriado fim de semana, então pagamos 300 shillings para fazer o tour na fazenda e 300 para a parte mais legal de todas: andar em um avestruz!

Ok, vem a parte estranha. Chegamos na fazenda e fomos conhecer o local. Eles nos mostram desde os ovos da avestruz (mano, é gigante! parece de dinossauro, super pesado!), quando elas são bebês, toda a fase de crescimento até ficarem adultas. Finalizamos o passeio em uma voltinha na avestruz. Ok, até aí tudo bem, mas depois você termina em um restaurante onde eles servem (tcharam!) carne de avestruz. Meio triste ver a bichinha nascendo, crescendo e depois comer, mas não nego que é gostoso.

Ainda desconfio que vão nascer dinossauros desses ovos de tão pesados que são

Ainda desconfio que vão nascer dinossauros desses ovos de tão pesados que são

Quando chegamos na parte do passeio, desistimos de montar nelas pensando que o animal sofria. Como elas são rápidas (correm até 75km/h), duas pessoas vão ao lado segurando pra ela não disparar e deixar a pessoa cair, mas observamos melhor e não parecia desconfortável pra elas. Ok, quem vai ser o corajoso a ir primeiro? Marininha aqui! Apesar de os caras segurarem, ainda é bem rápido. Você corre com elas, dá uma voltinha e é super legal! Recomendo para todo mundo que tiver a oportunidade. Único detalhe: só pode andar quem pesa até 70kg e eles não avisam isso. O passeio pela fazenda não vale tanto a pena, então se você pesar mais que isso talvez nem seja tão legal ir lá.

Oi avestruz

Oi avestruz

Não foi um safari, mas foi realmente divertido e não tão caro. Ao todo (comida + passeio), gastamos aproximadamente mil shillings, o que dá uns 11 dólares. Pechincha para turistas, mas caro para quenianos. A única dica é que você deve pedir desconto em tudo ou cobram absurdos. Agora estou planejando mil outros passeios e em breve escrevo sobre eles aqui. 🙂

As meninas criaram coragem depois que eu fui e foi super divertido

As meninas criaram coragem e também se divertiram bastante. Aproveitei para testar a lente nova.

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‘How Are You?’

Cheguei em Nairóbi depois de mais de 30 horas de viagem. Em Manaus, a despedida foi difícil. Deixei grande parte do meu coração lá e segui para São Paulo. Na terra da garoa, abençoada como sou, consegui uma bela companhia que fez as horas voarem e, apesar de cansativa a viagem, poderia ter sido mais longa pra ter mais horas com a amiga querida que encontrei em Guarulhos. Rumo à África: nove horas cansativas até Joanesburgo, mais seis de espera, quatro de voo, e finalmente Nairóbi.

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Pelo caminho com a Lílian em SP, Joanesburgo e finalmente a caminho de Nairóbi

Confesso, as primeiras horas no Quênia não foram fáceis. No entanto, o carinho de todas as pessoas aqui é gigante e ajuda muito. Cheguei em casa de madrugada e o caminho parecia super deserto… imaginem o medo que tive de voltar só algum dia pra casa. Porém, como já disse, tive uma sorte gigante aqui de nunca estar só. Sorte esta que tive tanto aqui como aí.

As madrugadas foram de choro. Ver a mamãe no Skype ainda é sentir um aperto no peito querendo um abraço. Repeti na minha cabeça “é preciso força pra sonhar e perceber que a estrada vai além do que se vê”. Lá de longe vieram pessoas lindas como a dona Márcia de sempre, o Izamir que não sai do pé e está me dando um grande suporte, a Tany que mandou o email mais lindo do mundo, a Gabi e a Day que não param de ser lindas, e mil outras. Aos grupos no whatsapp, me desculpem por compartilhar tanto drama e obrigada por sempre responderem fofinhas.

Aqui do meu lado surgiu um anjo que me ajuda em tudo, o intercambista alemão David. Ele costumava dar aulas na minha escola e agora trabalha em outra também em Mathare. Na segunda, ele me tirou da tristeza e fomos ao Monkey’s Park (Nairobi City Park). Aí que eu comecei a descobrir a simpatia das crianças daqui: sempre, sempre que elas nos vêem na rua saem correndo pra dar um abraço e bater na nossa mão. Coisa mais fofa. Fomos também ao topo de um hotel que tem uma vista panorâmica da cidade, ao restaurante de um outro hotel que tem vista para uma área aberta com animais (pena que só vimos um bambi, mas valeu), entre outros passeios. Até ajudar a limpar meu vômito ele já ajudou, e mais de uma vez… chegou até a brincar que tô fazendo um mapa da cidade citando lugares como “onde passei mal no primeiro dia, onde passei mal no segundo”, haha.

Monkey’s Park com David; várias criancinhas estavam com o rosto pintado lá por causa da Páscoa

Nesta terça saímos de novo, desta vez acompanhados da Florence, minha buddy da AIESEC aqui. Assim como o David, a Florence é super prestativa e atenciosa comigo. Passei mal, pra variar, e fomos para a favela. É incrível como as pessoas tentam ignorar a pobreza aqui, apesar de estar por todos os lados. A maioria das ruas não são asfaltadas, saneamento básico é quase inexistente, falta iluminação pública até em avenidas importantes, e tem gente que finge não ver nada disso. No avião conheci gente daqui que não sabia nem o que era Mathare (a favela onde trabalhamos). Nas ruas, muitas pessoas dizem “nunca vá para a favela, é muito perigoso lá”.

Fomos para Mathare em um matatu (transporte público daqui que tem a viagem tão divertida, mas tão divertida, que merece um post só pra ele depois explicando direitinho como é!). Chegando lá, descemos em uma área já bem mais suja do que o resto da cidade. O David perguntou o que eu estava achando e me disse que aquilo ainda não era a favela de verdade. Entra no beco ali, sai no beco dali, estávamos no coração de Mathare. Em Manaus, muitas pessoas me disseram que se eu quisesse eu poderia viver a mesma experiência na Zona Leste da cidade. A essas pessoas eu digo: vocês não imaginam como é a realidade dessas pessoas aqui.

Acho que normalmente minha primeira reação seria ficar triste por eles, mas nenhum morador me deixou sentir isso. Todo mundo que nos vê sorri ou acena. As crianças são as mais fofas. Sempre que nos vêem falam “titchá titchá (teacher)” e perguntam “how are you?”, o que inspirou o título do post. Nunca tinham me perguntado tanto como eu me sentia! Ao ouvir aqueles “how are you?” super fofinhos, seguidos dos abraços à minha perna (geralmente são pequenininhos que não me alcançam, então abraçam as pernas), meu coração se derreteu e a tristeza foi embora.

Fui na escola rapidinho para ser apresentada a todos. Lecionarei em Ngotas Upendo. O David me levou pra conhecer a escola e em cada sala de aula que eu entrava a reação foi diferente: os menores me abraçaram eternamente e os mais velhos começaram a me aplaudir com o sorriso no rosto quando disseram que eu seria professora deles. Cada aluno fez questão de me dar às mãos e desejar boas vindas. A ansiedade pra começar a dar aulas só aumentou depois dessa visita. Amanhã (quarta-feira, 3), vamos levar as crianças a um museu. No outro dia já estarei trabalhando diretamente com eles.

Como eu disse no primeiro post, já esperava que esta fosse a experiência mais intensa dos meus 21 anos. Em dois dias já vivi um mix gigante de sentimentos, mas acho que o melhor de tudo foi descobrir o meu motivo pra estar aqui. Eu não vim pra Nairóbi só fazer meu tcc (outro dia falo sobre isso), só pra escrever nesse blog ou querer bancar a Madre Teresa. Eu escolhi Nairóbi por conhecer história de pessoas que mudaram vidas aqui e que tiveram suas vidas tocadas para sempre também. Foram dois dias intensos, mas ainda tenho muitos aí pela frente. Que venham novas emoções, novos sentimentos, e que o sorriso no rosto daquelas crianças nunca me deixe esquecer o que me move.

Mara, intercambista grega, e uma criancinha que veio falar conosco em Mathare

PS: me desculpem por não ter tantas fotos, mas é que só foram dois dias e eu queria aproveitar ao máximo pra conhecer as pessoas antes. Também não tiro muita foto pela rua porque todo mundo aqui diz que pode ser perigoso ficar expondo tanto a câmera por aí.