Voltei para o Brasil. A vida aqui tem sido tão agitada que o tempo para alimentar o blog se tornou extremamente escasso. Além disso, confesso, o choque cultural reverso foi forte e me tirou uma grande inspiração pra escrever pro blog. Tenho milhões de rascunhos na página de administradora do ‘Ando Pelo Mundo’, mas nada expressa 100% como eu me senti com esse retorno. Voltei para o Brasil, mas não me senti 100% brasileira até a quinta-feira, 13 de junho.
Como todos os brasileiros sabem, na última semana começou uma série de protestos em São Paulo contra o aumento da tarifa de ônibus. O valor aumentou R$ 0,20. Esse valor, pra mim, sempre foi coisa que eu poderia perder no fundo da bolsa e por lá ficaria. Sinto falta sim, quando vou pegar ônibus (o que faço sempre que vou pra Ufam, quando vou rs), mas aí acabo destrocando R$ 2 de novo e ganho mais moedas.
Nasci em uma família de classe média. Nunca tive tudo o que eu queria, tive que dividir a maioria das coisas com minhas duas irmãs mais velhas, mas nunca passei fome. A fome, na verdade, foi algo que só conheci no Quênia. No meu primeiro intercâmbio, na Inglaterra, engordei dez quilos. No Quênia, perdi seis. A fome não foi por necessidade, foi por choque, dificuldades que tive para aceitar as diferenças e vontade de me sentir na realidade daquele povo.
No Brasil eu sou estudante e atuo como jornalista. Sou solteira, moro com meus pais e ganho um salário razoavelmente bom para alguém que não precisa pagar contas além das bestinhas de celular, aulas de pilates que estou fazendo e compras. Voltei a um lugar onde R$ 0,20 não fazem diferença para mim, mas vejo todos os dias pessoas que seriam muito mais felizes se tivessem esses trocados que perdi na bolsa. Vejo gente aqui e vejo gente de lá, que ficou na minha cabeça e nunca vou esquecer.
Eu achei que a África ia me deixar muito mais forte a ponto de não me abalar com a realidade daqui, sempre lembrando que vi coisa mais triste lá. Cheguei até a escrever sobre isso em um dos rascunhos que preparei e não publiquei. Achei que nenhum vídeo da realidade brasileira ia me fazer chorar, mas hoje chorei. Chorei ao ver a agressão sofrida por uma jornalista que quase perdeu a vista ao ser atingida durante um protesto em São Paulo. Chorei porque ela não merecia aquilo. Ela estava ajudando uma pessoa quando foi atingida. Chorei porque me vi ali, no lugar dela. O vídeo está aqui para quem quiser chorar comigo. Chorei por lembrar de uma atividade que fiz lá no Quênia, sobre a qual quis escrever mas acabei adiando. Hoje vou compartilhar.
Durante a semana de provas dos alunos da classe oito, a mais avançada, pedi que eles fizessem uma redação sobre as eleições presidenciais no Quênia. O que eles descreveram foi a sensação de medo que viveram durante esse período. Alguns falaram das eleições como o melhor dia da vida deles, por terem conseguido eleger um novo representante sem que parte da população fosse morta em guerra. Eles temiam que fosse como em 2007, quando centenas de pessoas foram assassinadas em atos de violência com motivação política. Corrigi esses textos triste por eles, mas extremamente feliz por meu país nunca ter sido assolado por violência assim por esses motivos. Agora, com tanta sujeira sendo escancarada, me pergunto: será que eu tinha tanto motivo pra ser feliz assim?
Já sofri, no Brasil, agressões que prefiro nem citar. Já vi situações extremamente piores. Cobri polícia por um tempo e vi cada absurdo que me fez perder a fé em parte da humanidade. Convivi com políticos e vi coisas piores ainda. Cobri cidades e vi a realidade de um povo que paga caro por direitos básicos e sofre por não receber o que deveria do governo. Manaus é como o Quênia. Não, o povo não sofre tanto aqui. Não se compara, eu não seria louca de fazer isso. No entanto, temos um sofrimento gigante de ir às urnas de quatro em quatro anos com o peito cheio de vontade de mudança e depois quebrarmos a cara de novo.
Todo dia a gente sai pra ir pro trabalho com medo. Medo de ser assaltado, de sequestro relâmpago, de ser estuprado, de ser atingido por um ônibus enquanto anda de bicicleta na rua porque a prefeitura nunca fez uma ciclovia, de perder o horário porque o ônibus atrasou ou tá tendo greve do transporte coletivo. A gente sai com medo de ter R$ 2,80 no bolso, porque se chegar lá no cobrador sem ter os dez centavos pra completar o valor da passagem de ônibus ele não vai te deixar fazer o trajeto. O que a gente não teme é pagar R$ 3 e não receber o troco de dez centavos. E é isso que a gente deve combater. É por justiça que devemos pedir.
Eu não me senti 100% brasileira após voltar pro Brasil até chegar o dia 13 de junho de 2013. Eu estava no trabalho, acompanhando tudo de São Paulo. A realidade me chocava, mas ainda assim era um pouco distante. Em Manaus, no mesmo dia, ajudei na cobertura da nossa manifestação. De cem participantes, OITO foram detidos. Eles foram atingidos também por balas de borracha, gás lacrimogêneo e toda essa truculência desnecessária.
A vontade agora é de ver tudo mudar. O choro que derramei ao ver o vídeo da Folha só motiva. Ver mais gente indo pras ruas dá alegria. Nós não estamos sós. Nós somos uma nação. Preparem cartazes, peguem o vinagre. Quem liga se o trânsito vai ficar ruim por algumas horas? Ele é ruim todo dia mesmo. Se o transporte coletivo fosse bom, talvez as pessoas pudessem deixar o carro em casa e diminuir o congestionamento de todo dia. Não temam a PM. Ela não vai ser grande o suficiente pra calar uma nação. Brasil, finalmente verás de novo que um filho teu não foge à luta.
Eu sou brasileira e acredito na mudança. Vão às ruas. Espalhem a mensagem de paz e justiça. Não aceitem o vandalismo praticado pelos governantes diariamente. Aqui está o link de protestos agendados em cidades de todo o país. Seja a mudança que você quer ver no mundo.