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Onde a vida é de sonhar

DSC_0612Nasci sonhadora. Acredito que consegui alcançar voos mais altos por nunca ter tido medo de voar. Caí, mas não me impediu de continuar tentando voar.

Em Nairóbi vivi a minha fase mais sonhadora da minha vida. Sair de casa, mesmo que por um período tão rápido, para viver uma situação tão intensa é uma coisa que só pode ser sustentada com muito pensamento positivo. Ver tanto sofrimento e ainda assim conseguir acordar, pegar dois transportes públicos, andar na favela pisando na lama misturada com esgoto no meio de um temporal acreditando que em um mês e meio eu conseguiria mudar um pouco aquela realidade… Me desculpa, mas se isso não é meio utópico, não sei o que utopia é.

Por sorte, em 21 anos de vida, nunca sonhei só. Eu tinha no Brasil o apoio de grandes amigos, da Julia e da Giovana do 50 Sorrisos, da família, mas em Nairóbi… de lá que vinha a minha maior força. Era no sorriso do Musyoka, da Monica, da Damaris, no olhar da Diana Lili, nas lágrimas da teacher Lilian. Em cada um abraço que eu recebia diariamente que eu me inspirava. E foi nas ações também de voluntários como eu que consegui ver que Nairóbi é aquela terra onde a vida é de sonhar, mas que éramos capazes de acordar e viver o sonho também.

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Quando estava indo pra Nairóbi a Julia me contou dos planos de construir uma escola nova para as crianças. Ao chegar lá e dar as primeiras aulas vi que aquilo era uma necessidade. Saía de lá todo dia com minha rinite atacada de tanta poeira e a garganta doendo de tanto gritar para ser ouvida. A escola é um pequeno galpão escuro, sujo e quente. As salas de aula são divididas por lonas, então não há isolamento algum de som. Algumas crianças estudam lá fora, em uma área onde o sol bate, então colocam também uma lona para protegê-las do sol, mas se chove a aula delas é cancelada. Por sorte, os alunos são extremamente esforçados e driblam todos esses desafios, mas é muito triste pensar que eles têm que conviver com aquilo. São crianças brilhantes e merecem uma estrutura melhor.

As salas de aula são assim: luz só pelos buraquinhos na parede

As salas de aula são assim: luz só pelos buraquinhos na parede

Precisávamos de uma escola nova não só por causa das salas de aula também. A comida é feita nos fundos da escola, ao lado da “classe” dos bebês, sem condições de higiene. Os alunos são guerreiros. O que comem na escola é, para quase todos, a única refeição, então aquilo não parece ser um problema para eles, mas muitos sofrem de várias doenças e é necessário ter esse cuidado maior com a limpeza. Comecei então, com a Maureen e Mara, uma busca por terrenos na favela para construir a nova sede. Andávamos debaixo daquele sol quente todo dia, negociamos com várias pessoas, recebemos não um dia antes da compra com tudo planejado já, descobrimos os desafios de se construir em uma favela (tem mil regras diferentes), mas enfim, voltei com a feliz notícia de que tínhamos um terreno.

Visitando um dos possíveis novos terrenos com o diretor: mil dias de negociação e lá vem um não

Visitando um dos possíveis novos terrenos com o diretor: mil dias de negociação e lá vem um não

Era o nosso sonho. Meu, da Julia, da Giovana, da Mara, da Maureen, de todas as crianças. Um sonho que eu não vou viver, por não estar mais lá, então pedimos, antes mesmo de contar para eles que estávamos planejando, que cada um desenhasse a sua escola das sonhos. Foi um dos dias mais divertidos na escola, e inclusive alguns projetos ficaram tão bons que acredito que possamos ter uns futuros arquitetos ali no meio. E esse sonho finalmente se torna realidade.

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Começa agora em julho a obra. Serão dois prédios: um com oito salas de aula, sala para os professores e área de lazer, e outro com uma sala de aula para a baby class, biblioteca, cozinha, refeitório e banheiros. O esperado é que tudo fique pronto até o final do ano. Coisa mais linda de se ver! Não canso de sorrir pensando naqueles rostinhos felizes ao ganharem uma nova escola. Caso alguém queira ajudar, ainda estão sendo arrecadadas doações para a construção. Por favor, ajudem! Toda contribuição é válida. É só acessar a página do 50 Sorrisos que tem direitinho explicando como ajudar.

Este é o projeto, feito pela Mara, arquiteta grega que estava lá na mesma época que eu:

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Este é o nosso sonho saindo do papel. Esta é mais uma prova de que é possível realizar sonhos, de que um mês e meio não é pouco, e de que é sim possível acreditar em um futuro melhor para os pequenos de Mathare e de tantas outras regiões carentes desse mundo.

Mara, a grega que fez o projeto, com as crianças

Mara, a grega que fez o projeto, com as crianças

Para acompanhar mais sobre a construção, recomendo que acompanhem o site do 50 Sorrisos e do blog do brasileiro Vitor Belota, que está em Nairobi agora trabalhando na escola que eu dava aula. Ele inclusive está com uns outros projetos muito bacanas por lá e super recomendo a leitura do blog.

Queria muito agradecer nesse post também a um amigo que reconheci um pouco antes de ir para o Quênia e que me ajudou muito enquanto eu estava por lá, dando dicas ligadas ao projeto da nova escola por ser um excelente arquiteto, mas também me fazendo enfrentar meus medos e me dando forças para continuar meu trabalho. Pedroca, você foi essencial. Jamais vou esquecer do seu apoio.

Um abraço bem apertado e cheio de amor a todos que lêem o blog. Vocês também foram extremamente importantes durante todo esse processo e foi um prazer compartilhar minhas histórias com vocês (e não, isso não é um adeus, prometo ainda voltar a escrever aqui!).

Como diria Zé Manoel, cantor pernambucano que escutei aos montes quando estava em Nairóbi, “o meu horizonte é o tamanho do mar. Descobri com a razão que é preciso sonhar, mas não vale uma vida sem realizar. E não basta sofrer, também tem que aprender. E não basta chorar sem se fortalecer”. 🙂

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