Há dois anos, quando eu estava no Quênia, fiz um dos posts que mais me marcou nesse blog: “Direito de ter uma família”. Naquele dia, um aluno de 13 anos nos contou que seria obrigado a sair da escola porque estava sendo expulso da casa onde morava de favor, por ser órfão. Com 13 anos, o tutor achava que ele já era grande demais para estar ali. Hoje, dois anos depois e já fora daquela casa, esse menino vive algo que vai além do direito: a alegria de poder ser uma família.
Ao voltar de Nairóbi, infelizmente precisei me afastar mais das atividades do 50 Sorrisos. Minhas obrigações ficaram muito pesadas em Manaus, mas continuei acompanhando – mesmo que de longe – a trajetória dos meninos. Senti aperto no peito a cada atentado terrorista que o Quênia sofreu em 2014, chorei com a reprovação de alguns dos alunos nos exames para ensino médio em 2013, enfim… compartilhei emoções aqui do outro lado do oceano.
Musyoka, o protagonista da história sobre o direito de ter uma família, foi um desses meninos reprovados no teste de 2013. Como Ngotas Upendo, onde trabalhei, só tem aulas até o oitavo ano, eles precisam ser aprovados em testes para escolas pagas para o ensino secundário. Marina professora, e não Marina emotiva, falando agora: Musyoka foi um dos melhores alunos que tive na vida, e olha que antes do Quênia dei mais de um ano de aula de inglês em Manaus. Menino dedicado, esperto, com brilho nos olhos. Expulso de casa com apenas 13 anos. Como lidar com uma situação assim, né? Em meio a essa turbulência na vida, ele reprovou de ano.
Quando fiquei sabendo que ele provavelmente deixaria a escola, contei para a Julia – fundadora do 50 Sorrisos – e discutimos a necessidade de construir um orfanato para os alunos. Com poucos recursos, ela e o anjo na vida desses meninos, Maureen, construíram um quarto para Musyoka nos fundos da escola. Após estudar o dia todo, ele tinha ali seu cantinho sagrado para descansar. Um cantinho seu, de onde não seria expulso. Um cantinho construído por uma família.
Enquanto eu estava longe, senti muita falta dos meus pais, mas foram os alunos que me ensinaram que família não eram só eles. Foi a força da Julia, da Maureen, da Dimitra, do Bruno, do Pedro, do Musyoka, da Sophia, do Brian, da Rose, de vários amigos e dos 105 sorrisos que me fizeram aguentar. Foi o companheirismo, a união, foi o amor. Foi, acima de tudo, o poder SER família. Sem necessidade de possuir, de ter no sangue, mas com a opção de escolher e ser escolhido. E eu sei que foi isso que me fez seguir e isso que faz com que o Musyoka consiga ir tão longe também.
Após ter um lar construído pela Família 50 Sorrisos, Musyoka voltou a se dedicar aos estudos e conseguiu alcançar a média. Precisava de R$ 320 anuais para estudar. Me ofereci para investir na educação dele, e outra pessoa já tinha financiado, mas além dele ainda existem outros alunos esperando para ser financiados. Todos conseguiram com tanto esforço que merecem a ajuda. Se alguém tiver interesse em apoiar o projeto, aqui está o link!
Hoje, só o que quero e posso fazer, é agradecer. Serei eternamente grata por tantos ensinamentos que esses meninos me repassaram. É uma alegria imensa, após dois anos, receber notícias tão boas deles, e mostra como não há nada mais importante do que fé.
(PS: além de ter me marcado tão intensamente, o Musyoka foi também o principal responsável por ter despertado na Julia o interesse em fundar a ONG 50 Sorrisos. Durante uma aula durante seu intercâmbio voluntário na escola, um aluno pediu dela uma banana que ela tinha na bolsa para dar para o colega, e contou que esse menino estava há tantos dias sem comer que já não conseguia prestar atenção na aula direito. Ela deu a banana, surpresa, até porque, apesar de todos os problemas, aquele era um dos alunos mais dedicados e atentos na classe. Esse menino era o Musyoka. A 50 Sorrisos começou com apadrinhamento para prover comida para as crianças. Após garantir a alimentação por meio de doações mensais no valor de R$ 20, os alunos foram beneficiados ainda com fardamento e material escolar novo, banheiro, e agora uma nova escola com estrutura bem melhor. São verdadeiros anjos na vida desses meninos, que de tão abençoados merecem isso e muito mais.)