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Intercâmbio de idiomas vs. intercâmbio voluntário

intercambioAos 16 anos, me aventurei pela primeira vez no mundo. Um tempo antes, quando completei 15 anos, um familiar super querido veio me perguntar se eu tinha vontade de ir pra Disney. Na hora disse logo não. Só depois descobri que ele ia me dar a viagem de presente, e quase morri do coração por ter negado. Depois, ele me contou essa história e veio com outra proposta: um intercâmbio para estudar idiomas. Havia acabado de terminar meu curso de inglês, estava quase concluindo o ensino médio e parecia ser a hora perfeita.

Era a minha primeira viagem internacional, e primeira sozinha. O passo inicial foi procurar uma agência boa. Visitamos a World Study, CI e algumas outras, mas foi pela primeira que me apaixonei e que recomendo a todos até hoje quando me dizem que querem fazer essa modalidade de intercâmbio (update: as pessoas que ajudaram a organizar minha viagem estão trabalhando na IE agora, vão atrás deles! Andrews Aires e Kety Medeiros!). Veio a outra dúvida: Canadá ou Estados Unidos? Decidi então que iria para Vancouver, porque o dólar era mais barato… até descobrir que uma turma de uns 30 alunos da minha escola ia pra lá na mesma época. Eu sabia que falaria português se eles fossem, então faltando um mês para a viagem, mudança de planos!

Sempre fui apaixonada por Paris, mas ainda estava (e estou) longe de aprender francês. Um dia, na agência, veio a sugestão: que tal Europa? Ir para a Inglaterra e visitar a França. Eu tinha um medo maluco de Londres. No auge dos meus 16 anos, mal saindo de casa, pela primeira vez viajando só, ia me meter em uma cidade de quase 9 milhões de habitantes? Não, obrigada. Foi assim que descobri Brighton, a cidade mais sensacional que conheci.

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Passei dois meses na Inglaterra e visitei também França, Holanda, Bélgica e Irlanda. Estudei muito, convivi com os costumes deles pois fiquei em casa de família, me diverti absurdamente, fiz milhões de amigos que guardo até hoje, mas não sabia o quão maior podia ser o impacto de uma experiência internacional assim na nossa vida até me aventurar em outro tipo de intercâmbio: o voluntourism.

Voluntariado e Turismo: o voluntourism

Para quem não conhece, vamos lá: de acordo com a Organização Mundial do Turismo das Nações Unidas (OMT), o volunturismo é aquele com menos de 365 dias de duração, que envolve o deslocamento da pessoa para fora do seu ambiente habitual, e de viagens realizadas com qualquer outra finalidade que não seja a obtenção de ganhos financeiros.

Fiz meu intercâmbio voluntário em 2013, pela AIESEC, após três anos trabalhando na organização e já com a experiência de ter sido diretora local de intercâmbios para estudantes e time nacional nesta área em dois países diferentes. Convivi muito com a realidade do turismo de voluntariado, organizei dezenas de intercâmbios assim, resolvi problemas, aconselhei jovens que enfrentaram dificuldades de adaptação, mas só soube mesmo como é vivenciar o voluntourism ao chegar lá.

Minha experiência durou um mês e meio no Quênia. Após mais de 30 horas de voo, quando cheguei em Nairobi pensei “que diabos estou fazendo aqui?”. Cheguei no apartamento de madrugada e estávamos há três dias sem luz. Bateu um desespero tão grande. Os primeiros dias foram os mais desafiadores. Foi ali que comecei a sair da minha zona de conforto. Alguns dias depois e já passando super mal por causa da comida, comecei a trabalhar: se ainda existia zona de conforto, foi o primeiro passo na favela que me fez sair dela. Eu era a estranha, a “muzunga”. Dona OMT, você estava certa. Saí do meu ambiente habitual, ganhei muito mais que ganhos financeiros e vivi algo maravilhoso.

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Se hoje me perguntassem qual dos dois tipos de intercâmbio eu escolheria, acho que hesitaria em responder. Sou extremamente feliz por ter vivido os dois. Hoje o meu perfil é de voluntourism, mas o intercâmbio de idiomas foi essencial para despertar em mim a noção de que o mundo é algo tão maior que precisamos explorar.

Quanto gastei…

Emoções a parte, o voluntourism também costuma ser mais barato (e digo costuma pois agora algumas organizações estão se aproveitando do quando as pessoas querem fazer algo de bom para meter a mão). Viajei pro Quênia pela AIESEC por R$ 800 de taxa (na época), paguei minhas passagens (R$ 4 mil, ralaaaado, África é cara), e, como escolhi um país mais carente, paguei minha alimentação, moradia e transporte. Em outros destinos esses três itens costumam ser oferecidos pelas ONGs. A moeda deles não é tão valorizada, então acabei não gastando tanto. Para todo o tempo que fiquei, paguei 300 dólares de hospedagem em apartamento dividido com intercambistas, que já tinha comida também. O transporte era super barato.

Já em 2009, para a Inglaterra, o curso custou cerca de R$ 11 mil e as passagens um pouco mais de R$ 6 mil. Obrigada, Deus, que foi um presente. Ainda assim, foi caro também me manter lá, já que uma libra era R$ 4. Considerando esses fatores também, o voluntourism seria o meu escolhido para repetir a dose.

Outra vantagem de ter feito os intercâmbios foi as portas que ele me abriu. Nos empregos por que passei, foi um puta diferencial, tanto o inglês fluente quanto o fato de ter me aventurado por aí. Depois da primeira viagem, achei que querer ser viajante fosse atrapalhar minha vida – que eu não fosse definir nunca o que queria fazer e ia decidir ser mochileira profissional. Hoje, posso dizer que andar pelo mundo foi uma das melhores coisas que já fiz.

Vamos andar por aí? - Foto em Dublin, Irlanda

Vamos andar por aí? – Foto em Dublin, Irlanda

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Ser família – a história de Musyoka

musyokaHá dois anos, quando eu estava no Quênia, fiz um dos posts que mais me marcou nesse blog: “Direito de ter uma família”. Naquele dia, um aluno de 13 anos nos contou que seria obrigado a sair da escola porque estava sendo expulso da casa onde morava de favor, por ser órfão. Com 13 anos, o tutor achava que ele já era grande demais para estar ali. Hoje, dois anos depois e já fora daquela casa, esse menino vive algo que vai além do direito: a alegria de poder ser uma família.

Ao voltar de Nairóbi, infelizmente precisei me afastar mais das atividades do 50 Sorrisos. Minhas obrigações ficaram muito pesadas em Manaus, mas continuei acompanhando – mesmo que de longe – a trajetória dos meninos. Senti aperto no peito a cada atentado terrorista que o Quênia sofreu em 2014, chorei com a reprovação de alguns dos alunos nos exames para ensino médio em 2013, enfim… compartilhei emoções aqui do outro lado do oceano.

Musyoka, o protagonista da história sobre o direito de ter uma família, foi um desses meninos reprovados no teste de 2013. Como Ngotas Upendo, onde trabalhei, só tem aulas até o oitavo ano, eles precisam ser aprovados em testes para escolas pagas para o ensino secundário. Marina professora, e não Marina emotiva, falando agora: Musyoka foi um dos melhores alunos que tive na vida, e olha que antes do Quênia dei mais de um ano de aula de inglês em Manaus. Menino dedicado, esperto, com brilho nos olhos. Expulso de casa com apenas 13 anos. Como lidar com uma situação assim, né? Em meio a essa turbulência na vida, ele reprovou de ano.

Quando fiquei sabendo que ele provavelmente deixaria a escola, contei para a Julia – fundadora do 50 Sorrisos – e discutimos a necessidade de construir um orfanato para os alunos. Com poucos recursos, ela e o anjo na vida desses meninos, Maureen, construíram um quarto para Musyoka nos fundos da escola. Após estudar o dia todo, ele tinha ali seu cantinho sagrado para descansar. Um cantinho seu, de onde não seria expulso. Um cantinho construído por uma família.

Enquanto eu estava longe, senti muita falta dos meus pais, mas foram os alunos que me ensinaram que família não eram só eles. Foi a força da Julia, da Maureen, da Dimitra, do Bruno, do Pedro, do Musyoka, da Sophia, do Brian, da Rose, de vários amigos e dos 105 sorrisos que me fizeram aguentar. Foi o companheirismo, a união, foi o amor. Foi, acima de tudo, o poder SER família. Sem necessidade de possuir, de ter no sangue, mas com a opção de escolher e ser escolhido. E eu sei que foi isso que me fez seguir e isso que faz com que o Musyoka consiga ir tão longe também.

Após ter um lar construído pela Família 50 Sorrisos, Musyoka voltou a se dedicar aos estudos e conseguiu alcançar a média. Precisava de R$ 320 anuais para estudar. Me ofereci para investir na educação dele, e outra pessoa já tinha financiado, mas além dele ainda existem outros alunos esperando para ser financiados. Todos conseguiram com tanto esforço que merecem a ajuda. Se alguém tiver interesse em apoiar o projeto, aqui está o link!

Além do Musyoka, mais alunos precisam de ajuda para pagar os estudos

Além do Musyoka, mais alunos precisam de ajuda para pagar os estudos

Hoje, só o que quero e posso fazer, é agradecer. Serei eternamente grata por tantos ensinamentos que esses meninos me repassaram. É uma alegria imensa, após dois anos, receber notícias tão boas deles, e mostra como não há nada mais importante do que fé.

(PS: além de ter me marcado tão intensamente, o Musyoka foi também o principal responsável por ter despertado na Julia o interesse em fundar a ONG 50 Sorrisos. Durante uma aula durante seu intercâmbio voluntário na escola, um aluno pediu dela uma banana que ela tinha na bolsa para dar para o colega, e contou que esse menino estava há tantos dias sem comer que já não conseguia prestar atenção na aula direito. Ela deu a banana, surpresa, até porque, apesar de todos os problemas, aquele era um dos alunos mais dedicados e atentos na classe. Esse menino era o Musyoka. A 50 Sorrisos começou com apadrinhamento para prover comida para as crianças. Após garantir a alimentação por meio de doações mensais no valor de R$ 20, os alunos foram beneficiados ainda com fardamento e material escolar novo, banheiro, e agora uma nova escola com estrutura bem melhor. São verdadeiros anjos na vida desses meninos, que de tão abençoados merecem isso e muito mais.)